domingo, 14 de novembro de 2010

A Posse

Eu, meu marido e minha filha, vivíamos num dos melhores bairros de Recife, tínhamos uma livraria e uma vida muito confortável.
Adorava morar lá, os vizinhos eram educados. Eu e meu marido tínhamos vários amigos, diferente da minha filha que nunca a via com ninguém, imaginava que ela poderia ser muito tímida para fazer amizades. Por isso me esforçava para que ela encontrasse nos livros a alegria de quem amigos, mas não adiantava, ela não estava nem ai para os livros, preferia jogos eletrônicos e doces, muitos doces.
Houve um tempo que eu estranhei o comportamento de Gloria, todas as tardes ficava na sala de casa, como se esperasse por alguém, e esperava, porque todas as tardes a campainha tocava e ela ia até a porta, mas não demorava e voltava para sala com um sorriso de satisfação.
Certa vez, perguntei, a Gloria quem era a pessoa que ela recebia todas as tardes, e porque aquele momento a deixava tão feliz, ela nada disse, e eu já esperava por essa reação, ela era uma criança fechada. Como mãe, eu me preocupava, talvez por sentir culpa, por ela ser assim.
Numa tarde decidir, descobrir o motivo das visitas vespertinas que eram feitas para minha filha. Esperei a campainha tocar e logo em seguida apareci. A visitante, constante era uma menina de corpo magro e cabelos lisos, parecia muito triste e cansada, perguntei qual era o motivo das visitas, elas ficaram caladas por algum tempo e, em seguida, tentaram falar, cada uma com suas versões.
O motivo das visitas daquela garotinha era a promessa a que Gloria fizera, de emprestar “As Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, empréstimo que não havia sido feito, pelo fato de minha filha sentir prazer em ver aquela menina se humilhando todas às tardes.
Vi que aquela vitima de Gloria gostava muito de ler, afinal aquela persistência era uma prova do gosto que ela tinha pelos livros. Gloria nem tinha tocado, ela era tão cruel que eu nem havia percebido. Minha filha não tinha amigos, porque era cruel e soberba.
Não havia opção melhor que tentar conserta o erro dela. Decidir entregar o livro a aquela garota, dizendo que ficasse o tempo que quisesse, era uma forma de reparar a humilhação que aquela menina sofreu, e castigar Gloria, entregando aquele livro que era a arma de tortura que ela usava contra a colega.
Aquela garota saiu com o livro contra o peito, muito tímida, e seguiu andando como se levasse um vaso de cristal. O livro parecia frágil nas mãos daquela menina, fiquei ali parada, vendo ela ir pela rua, feliz e satisfeita.


Texto de: Silvana Dantas, Rebeca Fucs, Luana Fiquene

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