terça-feira, 8 de junho de 2010

O poeta não morreu


Avise aos amigos que preparo o último verso. A vida dura mais que um poema e no alvorecer mais próximo saio de cena: com estes últimos versos, o poeta cachoeirense Damário Cruz começou a se despedir da vida.Não, esta homenagem não chega atrasada; primeiro porque eu já havia feito em outros meios para os quais também escrevo; segundo porque não há ocasião adequada para se render graças a um poeta, pois, sua poesia o torna atemporal, alguém que, mesmo depois da morte, pode viver...Às vezes, aquele que escreve, quando morre, fica sepultado também em palavras, e só pode ressuscitar - não em carne e ossos, mas em lembranças ou memórias - se e quando alguém o ler: a leitura dá vida; a leitura é vida! Fazer poesia ou escrever textos em prosa só se parece com não morrer se houver, hoje ou amanhã, algum leitor para estas prosa e poesia.Se e quando alguém ler aquele mais famoso poema de Damário da Cruz, impresso sobre a fotografia de um trilho de trem coberto de pedras e gramas e espalhado pelos espaços de arte alternativa nostálgico da efervescência cultural das décadas de 60 e 70 do século passado; se e quando alguém ler este poema, que leva o sugestivo titulo de "Todo risco" - "A possibilidade de arriscar é que nos faz homens/ Vôo perfeito no espaço que criamos/ Ninguém decide sobre os passos que evitamos/ Certeza de que não somos pássaros e que voamos/ Tristeza de que não vamos por medo do caminho" - se e quando isto acontecer, Damário ressuscitará, não da Cruz à qual está pregado em nome de batismo, mas das letras, que, quando não lidas ou não cumpridas, são mortas.Parafraseando o mestre João Guimarães Rosa, eu digo que um poeta não morre, fica encantado; mas o desencanto - ou melhor, a quebra do encanto, pois a palavra "desencanto" pode nos levar a caminhos tristes, o que não é o caso, já que eu me refiro a voltar à viver e que viver é bom, seja lá de que forma - a quebra do encanto só acontece se houver leitores ou, ao menos, um leitor... Leitor de verdade, não estes que se multiplicam por aí e que já chegaram à internet, mas não conseguem chegar às entrelinhas dos textos; com dificuldades com dificuldades para lidar com linguagens simbólicas, conotativas, enfim, incapazes de perceber ambigüidades e de abstrações e que, por isso, têm medo da poesia porque não sabem chegar a seus escuros - leitores que, infelizmente, são frutos da educação precária, pública e privada, que está aí. Espanta-me que muitos dos meus alunos do ensino superior assumam que não gostam de ler e tenham aversão a livros. Espanta-me que alguém que não goste de ler deseje o ensino superior.Espanta-me que ele tenha chegado ao ensino superior (e, antes, tenha passado pelos ensinos fundamental e médio sem se transformar num leitor de verdade). O que esperar da cultura de um país quando não se há leitores de verdade? Como pode haver memória sem leitura? Como pode haver crescimento sem memória? A leitura é a "chave do tamanho", para usar a expressão de outro mestre Monteiro Lobato, cujo livro Histórias do mundo para crianças me despertou, ainda menino, o gosto pelo nosso passado. Se eu tenho, hoje, este tamanho - e eu me refiro às minhas conquistas pessoas, profissionais e políticas, ou ao fato de ser um nome próprio - é por causa da leitura.Como escrevi no prefácio de meu terceiro livro, Tudo ao mesmo tempo agora, a leitura me fez e faz escapar dos destinos imperfeitos e da má sorte: a leitura de verdade, que permite ir além da denotação. E vai ser a leitura que vai me trazer de volta à vida quando eu não mais existir em carne e ossos: é o que eu espero que aconteça! Do contrário, estarei sepultado também em palavras, em letras mortas por falta de leitor. Só um leitor de verdade pode ter a vida nas mãos, a dos escritores e a sua própria. Só um leitor de verdade pode
ressuscitar um poeta!



Jean Wyllys escreve no CORREIO sempre nas sextas-feiras

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